Nascida em Alvalade (Lisboa), no início do ano de 1975, foi fruto do namoro de vizinhos de ruas opostas. Quem sabe, concebida em dias de revolução.
Apesar da formação inicial em arquitetura, é pela cognição e, mais tarde, pela psicanálise, que encontra verdadeira vocação. Ávida leitora, amante da introspeção e do pensamento, é com mais de quarenta anos que reclama caminho diverso.
Escreve compulsivamente, nem que para isso acorde de madrugada ou interrompa condução.
Nos trilhos da escrita, para além dos guardados cadernos na cozinha, publicou alguns artigos no âmbito do doutoramento que posteriormente interrompeu, e colaborou entre 2020 e 2021, com o MDC Media Group. Sendo que a expressão mais significativa, foi o blog Miss Mia Prozac, onde através de áreas como a filosofia, a psicanálise, a literatura ou o cinema, encontrou verdadeiro acolhimento.
Adora poesia, e aqui esbarra na verdadeira natureza da purga e da regurgitação. A forma mais pura de pensamento.
Insiste não escrever poesia, esse ofício é para almas superiores.
__________
SINOPSE
exaspera o auge da esponja
o lento lavar do pó pousado.
a escaldante inveja
pela pele, escorre viscosa.
esvai-se adentro do ralo ferrugento
desusado.
que em tempos
por sucinto momento
o breve odor susteve.
VESTIDO NEGRO
cortei cabelo.
olhei o espelho de frente
e de preto me vesti.
calcei coragem
gritei cansaço
e café já frio, bebi.
tropecei provocação.
o costume
nada muda, pensei.
cortei unhas
pintei lábios
apontei a longa lista de compras.
era hora de retorno.
eu precisava de acetona.
é melhor fazer-me ao caminho
daqui a pouco, faz-se demasiado tarde.
HAZ TU PEDIDO EN CAIXA
não encontrarás amor
em corredor dos cereais
ou em promoções de tinto martelado.
talvez o encontres por terras espanholas
numa velha bomba de gasolina
ou na gaja sentada no bar.
talvez possas tropeçar nela
ou quem sabe,
a postergues, atropeles.
talvez te confundas
talvez imagines figos maduros
onde apenas há lugar a alcatrão.
seja como for
não sou quem te pode ajudar
mas digo-te, atordoada pela hora:
– haz tu pedido en caja.
SACO DE PÃO
vendi tristeza às fatias
e enquanto no bafiento miolo
vi-te em serrilha de relance.
e ainda que me largue de sangue
descobri-te melancolia dentro do velho saco.
cuidado.
cuidado ao abrir.
essa seiva, como o Vasco diz, é ardilosa.
melosa tormenta, que te enrola açucarado.
cuidado.
repito:
cuidado ao abrir o saco do pão
não vás enredar-te no atilho.
ABANDONO
é na noite excessiva que me reclama
no rescaldo
em pleno alcatrão
no fulgor da fundamental embriaguez.
é na noite excessiva
na tragédia
em plena odalisca
em segurança da monstruosa cegueira.
excessivo
nesse íntimo desprezo
que a folha de tabaco queima.
me queima. te queima.
logo depois se encaminha,
semelhante fumado cachimbo
pela secreta fenda do amanhecer
sem mais ninguém o ver.
__________