Nasceu em Viseu, em 1972.
Foi um leitor voraz durante a infância e a adolescência.
Naturalmente, optou por estudar literatura.
Desde 1994 é professor de Português.
Quando se questiona sobre o sentido da existência, gosta de pensar que é respirar literatura e jazz. Mas suspeita nitidamente de que isso é uma resposta, não uma solução.
Chegou à escrita muito tarde. Não se considerará, nunca, um escritor. Será apenas um veículo para palavras que lhe são dadas por quem percebeu que elas estavam em falta.
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IMPROVISO #1
Tu que nunca cais sozinha
és a solidão sólida
nua para além do mar
Tu que vives a linha ténue
do desconcerto vibrante
Tu que és sexo para além
do sexo
Tu para quem a nudez
só é
um solo de Chet Baker
Um longo interminável
solo não de trompete
mas de um cigarro
fumado de um mergulho
dado de uma farpa
Engolida por um
velho disco negro
Tu que destróis mundos
depois de os dares
Tu, sim
que vives acima da névoa
que cobre os meus dias
tão abaixo dos teus
Voas como fera bruta
Rasgas como vórtice
Branco
Vives como os poetas
escrevem
Tu, o medo, a dor de
não ter
Venham todos e num
segundo
ceguem-me, vazem-me
durmam sobre o meu corpo
Para que repouse então
nas cinzas do cigarro
que o solista fumou
enquanto rias da vida
E falavas de
Deus
TEORIA DO BIG BANG
O fogo cortava
a madrugada que surgia
Éramos sem saber
a matéria escura
a distante nebulosa
a sarça ardente
Tínhamos então
um mundo a nascer
debaixo de nós
E o fogo continuava
a queimar a nossa
pele
Que se fundia num só
corpo
celeste
Era o tempo do início
A poeira que respirávamos
brilhava nos poros
por onde saía
o calor dos ossos
Havia luz
Éramos luz
E a temida noite
uma miragem distante
O fogo, sim
cortava a nossa
madrugada
E derretia-se enfim
nos nós dos dedos
que estendíamos
Para o sentir mais
perene, permanente
Havia o fogo e nós
éramos o universo
O eterno retorno
A casa onde sempre
sem saber
habitámos
SANGUE AZUL
Se abrires ao meio
a palavra
Aquela que só tu sabes
Se rasgares a veia
que a sustenta
Verás que o sangue
corre para dentro
E não se esgota
É um esgar que dura
um segundo
Mas um segundo eterno
uma verdade momentânea
porém permanente e
inesgotável
Porque é essa a verdade
das palavras
(como a que só tu conheces)
cujo sangue corre
para dentro:
são entidades que se
estendem até se confundirem
contigo
e tomarem uma só forma
feita de sangue e verdades
eternas, instantes breves
que se alongam
irreprimíveis, irrepetíveis
Sim, é essa a verdade
da palavra que é tua:
é teu também o sangue
que só nela corre
para dentro de um corpo
dúplice
O CABELO DE CIRCE
Sabe que não pode
escapar
ao nó da noite
De olhos fechados vê
que Circe corta
os longos cabelos
Mas sabe,
rendido Ulisses,
que continuará
a ser encantado
para além dos cabelos
longos ou curtos
Bebe agradecido
do doce cálice
que ela lhe oferece
A noite ainda é um nó
e ele bebe continuamente
sem temer por um só
momento
a metamorfose que sabe
que virá
Todas as noites
Até que o nó se desfaça
como uma trança
Pressente mais do que vê
que Circe é a sua noite
o seu nó desfeito
E crê – não sabe como –
que o cabelo curto
de Circe
será o doce acaso
que o levará até
Ítaca
FEBRE
És
a única nuvem
no céu
Podias cobrir o sol
Se quisesses
Mas não queres
Seria demasiado óbvio
Preferes que tudo arda
à tua volta
enquanto sabes
que, se quisesses,
se quisesses muito
Mas não queres
Porque é esse o teu
poder
Não querer
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