De seu nome completo, Maria Manuela Fernandes Correia nasceu no ano de 1961 e reside em Santa Maria da Feira.
Muito cedo se apaixonou pela poesia e, além de ler, começou a escrever os seus poemas.
A sua vida profissional, que iniciou cedo, é praticamente toda exercida na área de Recursos Humanos, o que muito lhe apraz.
Só na idade matura começou a publicar os seus poemas em jornais e revistas.
Lançou o seu primeiro livro de poesia no ano de 2000, pela mão da editora Elefante Editores.
Tem, até à data, publicados cinco livros de poesia.
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Instante

cansada de ser e de não ser
com um antagonismo no cérebro
sento-me do desenho do crepúsculo

não há globo que me aclimate
não há infinito em que eu caiba

alheia, desfaço amoras e deixo-as
cair no opaco da tarde

(inédito)
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as mulheres

as mulheres amarram o cabelo à lua
quando o vento desce das montanhas
escutam os búzios quando vão ao mar
trazem-nos pra casa e à noite passeiam-nos
com pés de algodão, para não perturbar
a música do silêncio

as mulheres carregam os filhos entre o
coração e o ventre, mais a piscina que comun-
gam, os protege e nutre
esquecem as dores de os fazer nascer e estão
prontas para os resguardar no colo até ao
infinito, como o mais precioso tesouro

as mulheres pensam de véspera o dia que
há de vir, o tempo que fará, a roupa lavada
e nos corredores da tarde costuram os beijos
que depois conjugam com um sorriso nos olhos

as mulheres aspiram a casa como quem dança
respiram o pó que vem das portas abertas
cantam canções antigas, pensam no jantar e
descongelam o peixe com um sopro a
plenos pulmões

as mulheres renovam a esperança quando plan-
tam, com as mãos, as flores mais diversas e
também os morangos, em vasos de barro ou em
canteiros, sempre com a terra escolhida como
musselina e regam tudo como se a sede das
plantações fosse a sua sede

as mulheres absorvem três livros ao mesmo
tempo, guardam segredos de uma vida inteira
num relicário dentro da cabeça
às vezes choram pra dentro, acendem lareiras
que nem precisam de existir e com uma calma
tépida, que expressa alegria penduram os seus
sonhos nos ramos do sol e fazem-nos alcançar
os de outras mulheres

(inédito)
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um outono

deixa-me ser a tua casa
de barro, de mar, de insuspeito
neste outono de brasa
e na casa pintarei, uma lua do lado de dentro
e da parte de fora um xadrez de sombras

pendurado no teto uma raiz de alvéolos, folhas
persistentes no corredor do sol, janelas ladeadas
das flores mais puras e candelabros acesos para
lustrar o teu sorriso
e num vidro lapidado o teu retrato a sépia

uma canção eterna na purpura de um azulejo
um licor de delícias para adoçar o palato
páginas abertas dos meus livros tão teus
e uma flora líquida no meio da sala
com um convés frutífero para as asas do amor

deixa-me ser a tua casa
de barro, de mar, de insuspeito
neste outono de brasa

(inédito)
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rosas

conheces a rosa
na roda ou na ronda
do toque ou da rima
na polpa dos dedos
conheces a rosa
na sombra ou na réstia
da ruga ou do riso
na linha do rosto
conheces a rosa
rosácea ou retinta
suspensa ou surpresa
na orla do corpo
conheces a rosa
ou roxa ou cerácea
no rasto ou no rasgo
da insónia ou do espanto
o resto   o resto
é um roseiral interior
que não conheces

in As nuvens não são mais de algodão (Elefante Editores, 2000)
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música

atravessar a sesta dos plátanos
com movimentos de flores de algodão   
sentir antes dos dedos a falanges
e depois das falanges nem só dedos
membros corpo crânio
envoltos apenas numa pleura vegetal
saber do coração só por uma sílaba
e depois da sílaba o sangue como sono
no sono só uma pena de pasmo
de uma andorinha adolescente
uma anémona de água acabada de nascer
e as palavras de um poema
como plumas e música de Bach

in Gavetas das Cores dos Dias (Corpos Editora, 2013)
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