Foi-me dado este nome quando nasci, para que não me sentisse enjeitada . E dele fiz-me poetisa desde tenra idade, após a morte de meu pai. Cresci rodeada de livros, tornei a poesia minha amada, de Florbela colhi as flores do meu pranto e de Pessoa este tudo que sinto Nada.
Curvei-me perante Camões que, no Olimpo da inspiração, me emprestou a garra e a melodia.
Apaixonada pelas artes e o teatro, fiz da vida um palco onde pintei, por desespero, novas versões da vida.
Amante da natureza e das coisas simples, moldei meu canto num recanto profundo que a alma de poeta ainda não desvendou.
Cresci entre o afeto dos animais e das árvores e das flores e plantações de couves – nutro por tudo isso um Amor e um respeito nostálgicos -e a vertigem da memória leva- me a varrer de novo a folhagem das videiras onde deleitava o meu ser em criança.
Dada às Letras e talhada na tatuagem das Línguas tornei – me professora, educadora e escritora na clandestinidade das horas mais arrebatadoras da minha vida.
Mulher sem medo, orgulhosa mãe de três filhos, vivi metade da vida no estrangeiro e, saudosamente Lusitana, voltei à pátria – paixão e abracei a alma portuguesa.
Sonhos são delírios da alma que as palavras buscam incessantemente decifrar.
________

DELEITE

São mínimos detalhes, breves momentos,
Um sol que abre suas asas ao mundo,
Uma lua que nos deita em seu regaço,
Um sorriso lavrado de honestidade,
São espaços que nos abraçam,
São gentes que nos enlaçam,
Nesse momento sem tempo,
Nesse místico espaço,
Breve sopro de liberdade.

São estes céus azuis,
Estes montes que tocamos,
A sintonia no bico dos pássaros,
Estes verdes silêncios,
Esta presença que amamos,
Que nos tornam tão raros,
Que nos fazem imensos.

Atravessamos desertos na vida,
Para cairmos neste solo,
Prostrados em oração
Para o infinito.
O sem palavras, que ficou dito.
Que nos beijou o coração.
__________

ULTIMATUM

Quando eu morrer
Soltem as aves, libertem os pássaros,
Lancem flores aos mares,
Que o alto das montanhas reluzam,
E os ventos espalhem pelos ares
Os aromas de folhas matutinas.
Que todos as cores seduzam
Em partituras de doces melodias.

Quando eu morrer
Enterrem -me na raiz das árvores
Que eu sorva o licor de sua seiva,
Cresça em seus troncos nus de leiva
E  me confunda em seus ramos floridos.
Que a sensação de tocar o céu seja um abraço
Um laço maternal de afetos doloridos
Em teus pés Mãe Terra eu seja o adubo
Que una a Humanidade num só laço.

Quando eu morrer
Não haja o choro, nem ressentimento,
Nem odores de rosas no momento
Em que morrem comigo.
Nem as vestes salgadas, colocadas,
Cuidadosamente sobre meu corpo hirto.

Que eu seja não -memória de uma vaga lembrança…
Apenas a liberdade expressa num grito
Que no meu refúgio se lança.
__________

EVASÃO

Morre.
Mas morre na sombra
Para que ninguém sinta a tua falta.
Morre na penumbra
Para que sejas breve.
Morre sem soltar um grito
Mas um suspiro.
Morre sem ter cadeados na vida
Para que seja perene e leve.
Leve como uma pena
Não a que chora,mas a que liberta.
Morre sem lembranças
Sempre humilde e alerta.
Morre.
Não deixes que te desfaçam os sonhos
E te matem a sede de seres mais do que és.
Porque os sonhos não cabem aqui
Mas ali , ali, onde buscas o indizível.
Ali onde tudo cabe, onde tudo é,
O lugar sem nome, o relógio sem ponteiros.
Morre mas que teus sonhos sejam inteiros.
__________

PARTIR

Parti no amanhecer submerso
Sem bagagem que me pesasse na alma
E fui calma, fui raio de luz
Que assim em meus olhos pus
Em sol meu corpo foi submerso
Segui o astro do alento
Solfejo redentor guiou meus passos
Em águas lentas arregaçadas
Nas linhas retas que os conduziam
Em águas que me levavam em seu regaço
Liberta de dores de odores transportadas
As partes em ecos que em mim ecoariam
E no alto do penedo sentei minha ânsia
De rosto ao alto e mãos em transe
Larguei a penúria e a irreal distância
Elevei meu todo do lodo da ignorância
É preciso esquecer para que,una,
A lembrança do que se esqueceu
Traga claridade ao coração que feneceu
E desperte assim inerte a unidade
__________

ABALO

Parei na berma da estrada
O pó reduzia – me a cinzas
Que em pensamento adentrava
E em vazio me achava.
Oculta aos olhos do mundo
Meus olhos cerrei e profundo
Suspiro de mim largou
Todo o peso que eu carregava .
Na bolha do tempo cavei
O espaço que em mim sou
A fábula que outrora teci
Os sonhos que em mim vivi
Ali na berma larguei
Metade de mim abalou.